quinta-feira, 14 de março de 2013

Educação para além de conteúdos e competências



Educação para além de conteúdos e competências



“É possível que as árvores cresçam por si mesmas. Mas os homens, acreditem-me, não são gerados. São educados.”
Roterdan
Uma excelente forma de se refletir sobre o papel e a importância da escola na pós-modernidade seria a simulação da seguinte situação: desviados de seu destino em direção a distante galáxia, seres ALIENÍGENAS se vêem obrigados a pousar em uma ESCOLA e pedem aos que ali se encontram a explicação de que tipo de instituição é aquela.
O que um aluno responderia?
( ... )
E nós, professores, como caracterizaríamos a instituição que é nosso campo diário de batalha?
( ... )
Parece tão simples, e, talvez por isso mesmo, seja tão complexo de ser explicitado.
- Ora, numa escola se ensina, se aprende, se transmite ou se constrói conhecimentos, diríamos aos nossos vizinhos cósmicos.
- Mas que tipo de conhecimentos? – perguntariam eles.
- Conhecimentos científicos. Aqueles historicamente produzidos e acumulados ao longo dos tempos pelos homens.
- Por que é necessário ensinar esses conhecimentos?
- Para que os humanos mais novos possam aprender e compreender como a vida neste planeta é organizada... – responderíamos prontamente.
- Por que nesse espaço e não com seus familiares ou com os que já viveram muito tempo e aprenderam bastante? – insistiriam nossos interlocutores galácticos.
- Talvez porque estes não soubessem transmitir todos os conhecimentos produzidos, que são muitos e complexos.
- E por que eles precisam aprender muitos e complexos conhecimentos?
- Para que os humanos que nascem não precisem “reinventar a roda”... Para que produzam novos conhecimentos a partir daqueles já existentes... Para que supram cada vez mais as necessidades criadas a partir da satisfação de antigas necessidades... Para que evoluam ...
Enfim, a escola existe para que apreendam e compreendam como e para que se vive!!!
E a escola consegue?!– surpreender-se-iam os visitantes.
                                                           ( ... )
O título deste breve artigo poderia ser apenas COMO FORMAR SERES HUMANOS, pois, na minha opinião, quando a escola foi parida teria sido para prover com maior competência do que as famílias, e, obviamente, de maneira mais sistematizada, também essa necessidade.

Destarte, no parágrafo acima já anuncio minha perspectiva sobre o papel e a importância social que a escola deveria ter nas relações societárias.

Todavia, tal como ocorreu com o significado de certas palavras, nos distanciamos tanto deste remoto objetivo que, mesmo trabalhando no interior de uma escola fica difícil explicarmos para um alienígena, por exemplo, o motivo pelo qual estamos trabalhando com determinados conteúdos ou desenvolvendo determinadas competências.

Hoje quando chamamos alguns de nossos pares de companheiros já não empregamos a palavra com o sentido original: aquele que compartilha o pão. Ao utilizarmos o termo comunidade não temos mais em mente a comunhão igualitária dos bens produzidos naquele local. Ou ainda, quando recebemos em nossa casa alguns camaradas não estamos esperando repartir nossa câmara, nosso quarto mais íntimo.

Acredito que o mesmo ocorreu com a função da instituição chamada escola. Talvez por isso fica tão intrigante explicarmos para os Ets a existência de algo que perdeu totalmente sua função original e se organizou para ensinar fragmentos de conhecimentos tidos como científicos e como verdades absolutas para uma sociedade que muito pouco guarda de suas peculiaridades remotas.

Como apropriadamente reflete Maurice Tardif, os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho e o professor cuida da sua transmissão, pois a formação integral da personalidade dos aprendentes já não parece ser mais de sua responsabilidade.

Enquanto isso, a essência que daria conta do mundo continuar sendo formado por seres verdadeiramente humanos está sendo relegada ao enésimo plano.

Apesar de, às vezes, os projetos pedagógicos até contemplarem a ensinagem e a aprendizagem dos direitos humanos, o que menos se constata na prática cotidiana de uma escola é esse exercício.

E é justamente na reflexão destes e na luta pela sua garantia que eu concebo a existência dessa parafernália a qual hoje chamamos de escola. Ela só terá sentido se for para promover a promoção e a interiorização de todas as gerações dos direitos humanos. Não basta consagrar esses direitos através do discurso. É necessário praticar e garantir, pelo menos no âmbito escolar, que esses direitos sejam assegurados.

Se a escola tem o poder de regular e, portanto, reproduzir a sociedade como está, ou emancipar para que possamos construir o mundo que precisamos, será sempre via defesa e exercício das quatro gerações de Direitos Humanos, a saber: os cívicos e políticos, os sociais (conseguidos através do trabalho), a preservação do meio ambiente (o bem estar de quem ainda está por nascer) e os direitos aos conhecimentos relacionados à comunicação e informação.

Se, como afirma Marcuse, hoje temos a capacidade de transformar o mundo num inferno e estamos a caminho de fazê-lo. Temos também a capacidade de fazer exatamente o contrário. Por que não fazê-lo se a construção de um novo mundo pode ser determinada também pelo poder de nossas ações como educadores?
De quem acredita no poder da Educação

SANDRA BOZZA 
Rio, 22 julho de 2003

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