sexta-feira, 22 de março de 2013

Origem da Didática



Origem da Didática

Ainda que nas obras dos filósofos da antiguidade existam referências às formas que deveriam ser seguidas no ensino na escola, com grandes contribuições ao Desenho Curricular (currículo) como parte importante da Didática, é com a obra "Didática Magna" do eminente checo João Amós Comênio, que surge a Didática, como uma incipiente área de conhecimento. Não obstante, o termo tinha sido utilizado, anteriormente, pelo alemão Wolfgang Ratke, que foi o primeiro quem abordou as duas partes da Didática: Desenho Curricular ou Currículo e a Dinâmica do Ensino, quando, segundo Sandino Hoff, Universidade do Contestado, explicitou:
Em seus princípios teóricos, captados do período de trabalho em Cöthen, Ratke fez distinção entre "ensinos" e "arte de ensinar": os primeiros incluem conteúdos extraídos de uma totalidade enciclopedicamente organizada de conhecimentos, e a segunda, de uma teoria que configura o processo pedagógico.
Em outros termos, os "ensinos" são compostos com base na estrutura global das ciências e da filosofia; e a arte de ensinar relaciona-se com normas e métodos extraídos das idéias de harmonia entre a fé, a natureza e as línguas. (HOFF, S. 2007, p.147)
Voltando ao assunto da origem da Didática, se tem que no século XIX, Herbart, intentando criar todo um sistema científico da educação, colocou a didática dentro da Pedagogia, como teoria da instrução. Pode ser que a partir daqui, a Didática sempre seja vista como isso, uma disciplina da Pedagogia. Outro aspecto que poderia ter influenciado sobre o assunto foi a utilização ambígua dos termos: Educação, Instrução e Ensino, para denotar uma mesma realidade ou fenômeno.
Já no século XX, a Didática passou por muitos questionamentos, como também tinha acontecido, anteriormente, com a Biologia, a Física, a Química, e outras ciências no século XIX. É importante destacar que toda ciência, independentemente do seu objeto de estudo: seja da natureza, da sociedade ou do pensamento, passa por esses períodos críticos, onde sua estrutura conceitual fica comprometida e duvidosa. Ás vezes, novos descobrimentos ou novas teorias estremecem a base ou fundamentação teórica de uma determinada ciência. Voltando ao assunto da origem, é a partir deste século XX, que começa o tratamento da Didática, como uma ciência particular.
Depois desses períodos de crises, a Didática dá um salto qualitativo no seu desenvolvimento. Como ciência particular, com autonomia científica, está neste momento do século XXI, dando esse salto significativo com grandes aportes à sociedade. Claro que, como toda ciência, enriqueceu seus fundamentos, categorias, conceitos, leis, corolários e princípios a partir da contribuição de cientistas de outras áreas de conhecimento. Mas não existem dúvidas que a Didática já tem sua autonomia.

1.                   CONCEITOS DE EDUCAÇÃO, ENSINO E INSTRUÇÃO.

Uma das problemáticas neste campo de conhecimento é a ambigüidade da terminologia. Claro que ciência não é como os neopositivistas consideraram, "colocar na língua científica o conhecimento popular". Não obstante, o sistema de conhecimento de qualquer ciência está determinado pelas categorias e os termos que descrevem e fundamentam a estrutura base de seu objeto de estudo. E tudo isso se logra com uma adequada utilização da língua científica, em especial sua terminologia.
Uma das complexidades tanto para a Pedagogia, como para a Didática são seus respectivos objetos de estudo, pois qualquer leigo se acha no "direito" de "dissertar" sobre educação ou ensino. Por exemplo. Quem fala sobre Física Quântica? Ou sobre Biologia Molecular? Não é suficiente saber contar para ser matemático! Este fato leva a que existam trabalhos, "resultados de pesquisas" que no conteúdo deles têm uma mistura de conhecimentos acientíficos e anticientíficos que pouco ajudam na prática social e no desenvolvimento destas ciências.
Um exemplo neste contexto é o posicionamento do ilustre Jean Piaget que segundo um dos seus discípulo, Gadotti,M (1988, p. 64) considerava que
Quando a maioria dos institutos de ciências, hoje, ainda se mantêm fechados em pequenas capelas, fechados num linguajar hermético, Piaget sempre concebeu o estudo científico como uma interseção de disciplinas. Não se pode fazer Psicologia sem a física, sem a Matemática, sem as Ciências Sociais.
Aliás, o sucesso das teorias de Piaget sobre desenvolvimento da inteligência nas crianças deve-se, em grande parte, à rigorosa fundamentação físico-matemática e bioquímica. Ele sempre soube escolher, nesse sentido, os melhores pesquisadores das áreas. Era um homem que sabia ouvir.
Piaget não gostava de responder a perguntas sobre educação. Limitava-se a dizer que não havia pesquisado esse campo do saber. Perguntaram num programa de Radio Suisse Romande, por que não investigara a afetividade. Respondeu que não tinha tempo para tratar da inteligência e da afetividade ao mesmo tempo. Preferiu optar pelo estudo da inteligência.
Já pensou que educando, aluno, estudante, discente, criança, escolar, aprendiz, são a mesma coisa? Ao final não são sinônimos? Sim. Essas palavras são sinônimas na utilização do dia-a-dia, mas não na língua científica, pois cada palavra mencionada expressa um conceito distinto. No caso da Pedagogia, educando e escolar, seriam importantes termos dentro do campo de estudo e pesquisa. Já para a Didática referiria melhor os termos de aluno, estudante e discentes, e assim por diante.
A língua científica deve ser objetiva, não deve permitir ambigüidades. Outro exemplo poderia ser o fato que o professor não tem "didática", o que o docente pode e deve ter é competência didática. Quando no dia-a-dia, alguém diz: -"Esse professor tem uma boa didática", na língua científica deve considerar-se que aquele profissional de referência, tem domínio dos aspectos ou dimensões didáticas necessárias que conformam essa competência.
Se importante é a adequada utilização da terminologia de uma ciência, imagine o que acontece quando o assunto em questão é o próprio objeto de estudo? Então, considerando que na língua científica não se admite a sinonímia, se pode dizer, cientificamente "falando", que educação, ensino e instrução não são sinônimos.
O que é educação?
Desde a época de Platão, o termo educação foi centro dos debates. Para ele era dar ao corpo e a alma toda beleza e perfeição que seja possível. Émile Durkheim a considerava a preparação para a vida. Para Pestalozzi, a educação do ser humano deve responder às necessidades de seu destino e ás leis de sua natureza. Para José Martí, é depositar em cada homem toda a obra da humanidade vivida, é preparar o ser humano para a vida.
Segundo o ICCP (1988) se entende por educação o conjunto de influências que exerce a sociedade sobre o indivíduo. Isso implica que o ser humano se educa durante toda a vida.
A educação consiste, ante todo, em um fenômeno social historicamente condicionado e com um marcado caráter classista. Através da educação se garantirá a transmissão de experiências de uma geração à outra. (ICCP, 1988, p.31)
Segundo Lênin, V (apud. ICCP, 1988), a educação é uma categoria geral e eterna, pois é parte inerente da sociedade desde seu surgimento. Também, a educação constitui um elo essencial no sucessivo desenvolvimento dessa sociedade, a ponto de não conceber progresso histórico-social sem sua presença.
Para Martins,J (1990) a educação é um processo de ação da sociedade sobre o educando, visando entregá-lo segundo seus padrões sociais, econômicos, políticos, e seus interesses. Reconhece-se aqui a necessária preparação para a vida, já referida em outras definições e que só se logra a através de convicções fortes e bem definidas de acordo com esses padrões. Por isso é tão importante, mas que uma definição o mais precisa possível, a caracterização deste objeto de estudo e pesquisa da Pedagogia.
Para uns, Educação é processo, para outros é categoria, ou fenômeno social, ou preparação, ou conjunto de influências, e muitos conceitos mais. Ainda seguindo a linha de pensamento de J. Martins, se concorda que:
A educação tem os seguintes caracteres:
o        É fato histórico, pois se realiza no tempo;
o        É um processo que se preocupa com a formação do homem em sua plenitude;
o        Busca a integração dos membros de uma sociedade ao modelo social vigente;
o        Simultaneamente, busca a transformação da sociedade em beneficio de seus membros;
o        É um fenômeno cultural, pois transmite a cultura de um contexto de forma global;
o        Direciona o educando para a autoconsciência;
o        É ao mesmo tempo, conservadora e inovadora. (MARTINS, J, 1990, p.23)
Deve-se analisar que a educação, mais que processo, mais que conjunto de influências, e outras, é uma atividade. Como toda atividade tem orientação, por tanto pode ser planejada. É processo, pois está constituída por ações e operações que devem ser executadas no tempo e no espaço concreto. É resultado que expressa ou manifesta uma cultura, como fato sócio-histórico.
Mas, o que é educação? A definição a seguir não pretende ser exaustiva, nem focalizada nessa palavra desde a perspectiva da lingüística textual, onde claramente, o significado sempre estará dependendo de seu contexto. Aqui só se esta definindo a categoria geral e eterna, como objeto de estudo e pesquisa da Pedagogia.
Portanto, a Educação é uma atividade social, política e econômica, que se manifesta de diversas formas e que seu sistema de ações e operações exercem influências na formação de convicções para o desenvolvimento humano do ser social e do ser individual.
Neste último aspecto vale destacar que o ser humano que se pretende construir, desde a óptica como ser social deve ser
Desenvolvido simultaneamente nos planos, físico e intelectual, que tem consciência clara de suas possibilidades e limitações. Um homem munido de uma cultura que lhe permita conhecer, compreender e refletir sobre o mundo. (MARTINS,J 1990, p. 22)
Isso significa que a educação pode ser direcionada, considerando a expressão social que deve refletir na consciência de cada pessoa. Por outro lado, se deve também trabalhar, nessas influências que exerce a sociedade e o estado na formação humana do ser individual, onde:
O homem independente, mas não isolado, que conhecendo suas capacidades físicas, intelectuais e emocionais, e senhor de uma visão crítica da realidade, seja capaz de atuar de forma eficaz e eficiente nessa realidade. (MARTINS,J 1990, p. 22)
Resumindo, a educação, como fenômeno inerente à sociedade, é orientação, é processo e expressão de uma cultura sócio-política. Pois como atividade, está constituída por esses aspectos. Por outro lado, sabe-se que o ser humano se realiza culturalmente em tempo e espaço, e que a complexidade dos fenômenos sociais e a quantidade de cultura emanada de muitas gerações, precisam ser otimizadas no tempo. Por isso, e em busca de seu aperfeiçoamento social e individual, surge o processo pedagógico, que não deve confundir-se com o processo docente, com educação, ou com o processo educativo.
O processo pedagógico, como aspecto consciente dentro do planejamento educacional, surge a partir das mudanças sofridas pela sociedade e com o objetivo de construir determinado protótipo de ser humano. Por isso, um dos meios importante para influir na construção desse novo ser, é através do adequado planejamento educacional. Os programas, planos, e projetos, resultado dessas atividades de gestão educativa, sejam introduzidos e generalizados como forma ideal para orientar, executar e controlar o trabalho educativo.
O que é ensino?
Antes de entrar-se na definição do objeto de estudo e pesquisa da Didática, lembre-se das palavras de J. Martins (1990, p. 23) quando expressou que "desde seu surgimento a palavra didática, significou a ciência de ensinar". Pode ser questionado o termo ciência, mas a idéia fica clara que o objeto é o ensino. Não se deve esquecer que na época que se utiliza o termo, ciência era só as áreas de conhecimentos da natureza. O termo "art" era utilizado para as atividades das atuais e reconhecidas áreas das ciências sociais. Mas, então por que, ainda hoje, é questionada a utilização do termo: ensino, substituindo-o por ensino-aprendizagem? Seria interessante considerar a seguinte analogia que ajudará a entender o ensino, como objeto e não o ensino como categoria, termo ou uma simples palavra.
Quando alguém denomina um homem de pai, utilizando o termo de pai com a significação de pai biológico, é porque esse ser humano masculino, tem, como mínimo um filho. Portanto, qualquer homem não é pai, só aquele que gerou um descendente. Algo parecido, salvando a analogia, sucede com a palavra ensino. Se um determinado professor realiza uma atividade que não gere uma "aprendizagem" objetivada, essa atividade não pode ser denominada de ensino. Por tanto, se não é lógico utilizar a palavra composta pai-filho, para designar um ser humano masculino que gerou um descendente dele, também é ilógico supor que a palavra composta "ensino-aprendizagem", substitua o objeto: ensino.
Segundo Baranov, S.P. et al (1989, p. 75) o ensino é "um processo bilateral de ensino e aprendizagem". Daí, que seja axiomático explicitar que não existe ensino sem "aprendizagem". Seu posicionamento sempre foi muito claro, quando estabeleciam entre ensino e aprendizagem, uma unidade dialética.
Para Neuner, G. et al (1981, p. 254) "a linha fundamental do processo de ensino é a transmissão e apropriação de um sólido sistema de conhecimentos e capacidades duradouras e aplicáveis." Destaca-se, por um lado, neste conceito a menção de "um sólido sistema de conhecimento", e por outro lado, as "capacidades duradouras e aplicáveis". No primeiro caso, referindo-se ao processo de instrução que procura atingir a superação dos discentes e o segundo caso ao treinamento, como forma de desenvolver as capacidades.
O ICCP (1988, p. 31) define "o ensino como o processo de organização da atividade cognoscitiva" processo que se manifesta de uma forma bilateral: a aprendizagem, como assimilação do material estudado ou atividade do aluno, e o ensino como direção deste processo ou atividade do professor.
Considerando estas idéias, fica claro que não é preciso a utilização da composição léxica "ensino-aprendizagem" para destacar a importância da "aprendizagem" neste processo, pois ela é inerente ao ensino. A palavra aprendizagem neste contexto, não esta sendo utilizada desde a perspectiva terminológica que distinguiria semanticamente os termos: aprendência, aprendizado e aprendizagem.
Portanto, o ensino, como objeto de estudo e pesquisa da Didática, é uma atividade direcionada por docentes à formação qualificada dos discentes. Por isso, na implementação do ensino se dão a instrução e o treinamento, como formas de manifestar-se, concretamente, este processo na realidade objetiva.
Diferenciando Educação, de Ensino, seria interessante refletir com as palavras de J.M. Guyau, quando diz que "educar a um homem não é ensinar alguma coisa que não sabia, senão fazer dele o homem que não existia." (GUYAU, J apud. ISÓIS, J. 1976, p. 14)
O que é instrução?
Este é um termo que tem sido utilizado indistintamente para se referir ao que se define como educação, e também tem sido empregado com a denotação dada aqui de ensino. Isso traz consigo um grande dilema. Suma-se a essa ambigüidade do termo, o fato de erros de tradução de um idioma a outro. Mas como o objetivo não é fazer a história das denotações desta palavra, se passa a delimitar sua concepção neste trabalho.
Segundo Baranov, S.P. et al. (1989, p. 22) "a instrução constitui o aspecto da educação que compreende o sistema de valores científicos culturais, acumulados pela humanidade". Nesta perspectiva nota-se a coincidência com o próprio termo de educação. A instrução, não é diretamente um aspecto da educação, mas bem, deve ser considerado como um elemento que aperfeiçoa o processo educativo, o que é diferente. A instrução não é inerente à educação, através da instrução pode-se desenvolver a educação. Se estes autores estiveram certos, não existiriam pessoas bem instruídas, pessoas já formadas, más educadas. Ou também, não existiriam analfabetos, sem alguma instrução, com uma boa educação.
É muito mais preciso, desde a óptica deste trabalho, o conceito de instrução valorado pelos alemães Neuner, G, et al. (1981, p. 112) enfatizando que na literatura pedagógica o conceito de instrução se emprega, na maioria das vezes, com a significação de ministrar e assimilar conhecimentos e habilidades, com a formação de interesses cognoscitivos e talentos, e com a preparação para as atividades profissional.
O ICCP (1988), também valora a instrução com essa mesma perspectiva profissionalizante quando expressa que:
O conceito expressa o resultado da assimilação de conhecimentos, hábitos, e habilidades; se caracteriza pelo nível de desenvolvimento do intelecto e das capacidades criadoras do homem. A instrução pressupõe determinado nível de preparação do individuo para sua participação numa ou outra esfera da atividade social. (ICCP, 1988, p. 32)
Portanto, a instrução não forma parte do conceito de educação, nem existe uma denominada lei de unidade da instrução e a educação. A instrução, como manifestação concreta do ensino, é uma ação didática que desenvolve o intelecto e a criatividade dos seres humanos com conhecimentos e habilidades que os prepara para desenvolver atividades sócio-culturais.
Como se colocou na introdução deste trabalho é possível que uma das causas pela qual a Didática seja considerada uma disciplina da Pedagogia consiste na falsa concepção de que a educação leva implícita dentro de si o processo de ensino. Por tanto, como se expresso anteriormente que na língua científica não admite a sinonímia, Educação, Ensino e Instrução designam realidades diferentes. A Educação se centra na formação do ser humano, especificamente na construção da personalidade, enquanto o Ensino reflete o processo de otimização da aprendizagem, a qual ajuda na formação do ser humano, mas não o define. Já a Instrução é uma forma de manifestar se o ensino, onde se focaliza os aspectos de conhecimentos e saberes da realidade objetiva e subjetiva.
Já no final do século XX, a Didática passou por muitos questionamentos: era disciplina técnica de outra ciência? Era mesmo ciência? Quais seriam seus métodos de pesquisa? Algo parecido, também tinha acontecido, anteriormente, com a Biologia, a Física, a Química, e outras ciências antes do século XIX. Não era uma questão só da Didática.
O grande problema da Didática, ainda até hoje, é estabelecer para a comunidade científica uma base teórica comum, independente de culturas, com uma única terminologia, para evitar ambigüidades. Os erros de tradução de um idioma para o outro, quando essas traduções são feitas por pessoas que sabem o idioma, mas não tem um preparo científico nessa área e muitas vezes fazem traduções compressíveis ao nível informal, mas com muita ambigüidade na linguagem científica. A tradução do inglês para o português poderia constituir um exemplo, dessa ambigüidade: "instruction" traduzido com ensino, em vez de instrução. "Teaching" traduzido como instrução. Por só mencionar poucos exemplos.
Outro problema não só da Didática, mas da Pedagogia, é redimensionar as categorias, as leis e os princípios partindo de suas verdadeiras essências e não através da imposição de critérios volitivos sem fundamentação científica da realidade. Este é o caso da falsa unidade dialética entre ensino e educação. Pois, erroneamente se quer estabelecer como um axioma que entre ensino e educação existe uma unidade dialética. Isso quer dizer que para que exista educação tem que existir ensino e para que exista ensino tem que existir educação. Ou dito de outra forma, não hã ensino sem educação, nem educação sem ensino. Aqui, cabe perguntar-nós. Existe educação sem ensino? Existe ensino sem educação?
Você nunca conheceu alguma pessoa com alto grau de instrução como resultado do processo de ensino, com uma ma ou péssima educação? Conheceu já alguém sem instrução alguma, com uma adequada educação? O ensino se concretiza através de instrução, treinamento e formação. Já o processo de educação implica convicção e valores como parte essencial da formação da personalidade do ser humano. O ensino instrui um sujeito, a educação forma o ser humano: sua personalidade. Se esta fazendo estas colocações, pois é aqui onde radica uns dos aspectos que fazem confundir Pedagogia e Didática e com isto o desenvolvimento das duas ciências.
Voltando ao assunto da origem, é a partir desse século XX, que começa o tratamento da Didática, como uma ciência particular. Depois de períodos de crises, a Didática dá um salto qualitativo no seu desenvolvimento. Como ciência particular, com autonomia científica, está neste momento do século XXI, dando esse salto significativo com grandes aportes à sociedade.
Claro que, como toda ciência, enriqueceu seus fundamentos, categorias, conceitos, leis, corolários e princípios a partir da contribuição de cientistas de outras áreas de conhecimento. Mas não existem dúvidas que a Didática já tem sua autonomia.
A Didática, como acontece com qualquer outra ciência social, reflete nas suas teorias as principais tendências, correntes e enfoques da época que se estuda, e como já foi colocado com a contribuição de outras ciências a fins. È por isso que em algum momento se evidencia, na base estrutural da fundamentação científica, enfoques psicológicos desde perspectivas de origem freudiana, correntes neomarxistas, enfoques humanistas, personológicos entre muitos outros pontos de vistas.
Segundo o Centro de Referência Educacional –CRE (2008) entre as décadas dos anos 20 ao 50, a Didática seguiu os postulados da Escola Nova. Essa forma de ensino buscava superar os postulados da Escola Tradicional, reformando assim, internamente, a escola. Nessa perspectiva, afirmava-se a necessidade de partir dos interesses espontâneos e naturais das crianças.
Do estudante passivo ante os conhecimentos a serem transmitidos pelo professor, passa-se ao "aprender fazendo", onde cada um se auto-educa ativamente em um processo natural, sustentado por meio dos interesses concretos dos participantes. A atenção às diferenças individuais e a utilização de jogos docente-educativos passam a ter um papel de destaque.
Segundo o CRE (2008), a partir dos anos 60 e 70 se acentuam as críticas a essas perspectivas didáticas. Seu efeito  positivo foi a denúncia da falsa neutralidade pretendida pelo modelo tecnicista, revelando seus componentes político-sociais e econômicos. A perspectiva fundamental da prática docente é assumir, por um lado, a multifuncionalidade do processo de ensino e, por outro lado, a transdisciplinaridade.
Em uma etapa posterior, depois dos anos 80, última década do século XX e a primeira década deste século XXI, se passou de um enfoque humanista, sustentado desde a influência psicológica ao enfoque tecno-científico, centrado nos avanços da própria Didática como ciência autônoma. Naturalmente, que esses câmbios são diferentes nos distintos países. Isso depende do grau de desenvolvimento desta ciência em cada pais.
O Enfoque Humanista, centrado no processo interpessoal e da afetividade, dado pela forte presença de estudos psicológicos sobre educação, esta sendo substituído pelo Enfoque Tecno-científico que direciona o processo de ensino, como atividade dinâmico-participativa, como uma ação intencional, sistêmica, sistematizada que tenta organizar as condições objetivas e subjetivas que facilitem o processo de aprendência. Portanto, se começa um trabalho diferenciador entre os objetivos instrutivos e os objetivos educativos. Não se deve confundir este enfoque próprio da Didática, com um enfoque Pedagógico conhecido como Tecnicismo, que é outra coisa.
Para ir resumindo, se deve partir de algo inquestionável, de algo já axiomático por si: a Didática tem seu objeto de estudo, o ensino. Esse objeto de estudo tem um sistema de categorias gerais que estão inter-relacionadas entre si pelas leis gerais didáticas. Essas leis deram lugar aos princípios e corolários que suportam toda a estrutura base desta área do conhecimento humano. Tem seus próprios métodos de pesquisas que permitem a produção sistemática de conhecimentos científicos que enriquecem essa estrutura sistêmica. Portanto, a Didática é uma ciência autônoma e não se constitui em ramo ou em disciplina de outra em particular.
Diferente da Pedagogia que tem seu reconhecimento como ciência particular a partir do século XIX, a Didática em muitos países, ainda não é reconhecida como ciência autônoma. É considerada, erroneamente, uma disciplina técnica da Pedagogia, ou como ramo desta. Não obstante, felizmente, são muitas as comunidades científicas que a partir do século XX, deram luz verde à Didática como ciência particular. Este é um trabalho mancomunado desenvolvido por muitos. A diferença dos séculos precedentes que se tinha um didata como referencia numa época determinada, aqui seria muito mais factível mencionar alguns dos quais fazem a diferencia, como didatas. Aqueles nomes como Jose Carlos Libâneo, Selma Pimenta, Carlos Alvarez, Ulises Mestre, Homero Fuentes, entre muitos outros.
Paulo Freire merece comentário aparte. É sem dúvidas um dos maiores Pedagogo do século XX; mas como aconteceu em outras épocas, grandes Pedagogos se converterem, também em grades didatas, ou porque não ao avesso, grandes didatas foram, também, grandes pedagogos.

Considerações finais e importância prática

A Pedagogia, ciência da Educação, nasce no século XIX e teve seu grande desenvolvimento no século XX. Já a Didática deveu esperar mais um século; surgiu no final do século XX. Talvez por isso, ainda neste século XXI, em alguns países, institucionalmente, não é considerada como tal. Daí, que a Didática não receba o apoio governamental, e seu desenvolvimento fica comprometido; só a expensas dos trabalhos e esforços individuais de cientistas didáticos, como o caso do destacado Jose Carlos Libâneo, e o caso de algumas instituições isoladas.
Por outro lado, é significativo ressaltar que a Didática, desde sua origem, não estabelece normas, diretrizes, ou quaisquer outras consideração ao ensino. Ela, como qualquer outra ciência particular, estuda e pesquisa o objeto dela, e dentro desse objeto, o campo de ação, que corresponde aos problemas científicos que solucionam através da atividade investigativa. Logo, o resultado divulgado como um novo conhecimento científico entrará no processo de interface, para converter esse novo saber, num produto ou serviço, norma ou diretriz que será aplicado na prática, através dos processos de introdução e generalização dos resultados científico-tecnológicos. Esses resultados na prática social provocarão uma inquestionável melhoria ao processo docente.
Reconhecer as diferenças entre educação e ensino, possibilitará fazer um melhor planejamento, e de fato, um melhor trabalho educativo, complementando os objetivos instrutivos das disciplinas com os objetivos educativos. É "lutar" para que o currículo seja concebido transdisciplinarmente. É propiciar no planejamento educacional e no planejamento didático, a possibilidade de ensinar educando e não só educar ensinando. Para isso, é preciso conhecer a história de cada ciência para não repetir os mesmos erros de antes.
Como já foi dito em algum outro trabalho nosso, e para concluir, não deve existir uma unidade forçada entre educação e ensino. Por isso Haydt, R (1997, p.12) expressa que "enquanto a educação pode se processar tanto de forma sistemática, como assistemática, o ensino é uma ação deliberada e organizada" Para que exista educação no processo de ensino se deve desenhar um currículo que inclua os aspectos educativos desejados. Por isso, aspectos de cidadania, tais como etiqueta, educação ambiental, educação no trânsito, ética, moral, legislação, entre muitos outros, devem ser inseridos no processo docente, desde bem cedo na escola. Portanto, não existe uma unidade, como lei ou princípio, entre educação e ensino, e si uma "relação necessária" ao dizer de J. Araújo. (ARAUJO, J. 2002, p. 92). A história da Didática prova isto.

Referências

ARAUJO, J. As intencionalidades como diretrizes da prática pedagógicas. Em Pedagogia Universitária São Paulo: Papirus, 2002.
HAYDT, R. Curso de didática Geral. 3.ed. São Paulo: Ática, 1997.
HOFF, S. Fundamentos filosóficos dos livros didáticos elaborados por Ratke, no século XVII. Em Revista Brasileira de Educação pág. 147. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ rbedu/n25/n25a12.pdf . Acesso em: 18/11/2007.
ICCP. Pedagogía. La Habana: Pueblo y Educación, 1988.
I ENCUP. I Encontro Nacional de Coordenadores das Universidades Públicas Brasileiras. Disponível em:http://ced.ufsc.br/nova/encontro_reforma_pedagogia/GT2.htm. Acesso em 30/11/2007
LIBÃ,NEO, J. et al. Pedagogia, ciência da educação? 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
LUAIZA, B.A. Pedagogia e Didática: duas ciências autônomas. Imperatriz: BeniRos, 2008.
_______ B.A. Didática Universitária. Imperatriz: BeniRos, 2008.
MARTINS, J Didática Geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1990
NASSIF, R. Pedagogia General. Buenos Aires: Kapelusz,1958.
NEUNER,G. et al, Pedagogía. La Habana: libros para la educación,1981.


quinta-feira, 21 de março de 2013

Princípios e fundamentos da didática



Princípios e fundamentos da didática


Didática Geral, como o próprio nome indica, trata dos princípios gerais da prática em sala de aula, tais como: processo de ensino e de aprendizagem, avaliação, métodos, prática de ensino, formulação de objetivos, etc. É pré-requisito para o curso de "Didática Especial".

"Didática Especial" envolve os mesmos princípios, mencionados acima; porém, voltados para áreas específicas. Por exemplo, nas ciências biológicas, nas ciências médicas e nas humanas, depois que os alunos fazem "Didática Geral", eles fazem "Didática Especial" (respectivamente, em biologia, em cirurgia, em línguas, etc.).

A Didática Geral estuda os princípios, as normas e as técnicas que devem regular qualquer tipo de ensino, para qualquer tipo de aluno. A Didática Geral nos dar uma visão geral da atividade docente.
A Didática Especial estuda aspectos científicos de uma determinada disciplina ou faixa de escolaridade. A Didática Especial analisa os problemas e as dificuldades que o ensino de cada disciplina apresenta e organiza os meios e as sugestões para resolve-los. Assim, temos as didáticas especiais das línguas (francês, inglês, etc.); as didáticas especiais das ciências (Física, Química, etc.).


Didática e Metodologia 


Tanto a Didática como a metodologia estudam os métodos de ensino. Há, no entanto, diferença quanto ao ponto de vista de cada uma. A Metodologia estuda os métodos de ensino, classificando-os e descrevendo-os sem fazer juízo de valor.
A Didática, por sua vez, faz um julgamento ou uma crítica do valor dos métodos de ensino. Podemos dizer que a metodologia nos dá juízos de realidades, e a Didática nos dá juízos de valor.
Juízos de realidade são juízos descritivos e constatativos. Exemplos:
Dois mais dois são quatro.
Acham-se presentes na sala 50 alunos.
Juízos de valor são juízos que estabelecem valores ou normas.
Exemplo:
A democracia é a melhor forma de governo.
Os velhos merecem nosso respeito.
A partir dessa diferenciação, concluímos que podemos ser metodologistas sem ser didáticos, mas não podemos ser didáticos sem ser metodologistas, pois não podemos julgar sem conhecer. Por isso, o estudo da metodologia é importante por uma razão muito simples: para escolher o método mais adequado de ensino precisamos conhecer os métodos existentes.

A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. A Didática está intimamente ligada à Teoria da Educação e à Teoria da Organização Escolar e, de modo muito especial, vincula-se a Teoria do Conhecimento e à Psicologia da Educação.
A Didática e as metodologias específicas das matérias de ensino formam uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A Didática trata da teoria geral do ensino. As metodologias específicas, integrando o campo da Didática, ocupam-se dos conteúdos e métodos próprios de cada matéria na sua relação com fins educacionais. A Didática, com base em seus vínculos com a Pedagogia , generaliza processos e procedimentos obtidos na investigação das matérias específicas, das ciências que dão fundamento ao ensino e a aprendizagem e das situações concretas da prática docente. Com isso, pode generalizar para todas as matérias, sem prejuízo das peculiaridades metodológicas de cada uma, o que é comum e fundamental no processo educativo escolar.
Há uma estreita ligação da Didática com os demais campo do conhecimento pedagógico. A Filosofia e a História da Educação ajudam a reflexão em torno das teorias educacionais, indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos da prática docente.

A Didática e a formação profissional do professor

A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teórico-científica, incluindo a formação académica específica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pedagogia que contribuem para o esclarecimento do fenómeno educativo no contexto histórico-social; a formação técnico-prática visando a preparação profissional específica para a docência, incluindo a Didática as metodologias específicas das matérias, a Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras.
A organização dos conteúdos da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são necessariamente referidas a prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados no âmbito da formação académica sejam relacionados com os de formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo , os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de formação teórico-prática não se reduzem ao mero domínio de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo tempo que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática. A formação profissional do professor implica, pois, uma contínua interpenetração entre teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática orientada teoricamente.
Nesse entendimento, a Didática se caracteriza como mediação entre as bases teórico-científicas da educação escolar e a prática docente. Ela opera como que uma ponte entre o “o que” e o “como” do processo pedagógico escolar. Para isso recorre às contribuições das ciências auxiliares da Educação e das próprias metodologias específicas. É, pois, uma matéria de estudo que integra e articula conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas de formação académica, formação pedagógica e formação técnico-prática, provendo o que é comum, básico e indispensável para o ensino de todas as demais disciplinas de conteúdo.
A formação profissional para o magistério requer, assim, uma sólida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende de vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. È verdade que muitos que muitos professores manifestam especial tendência e gosto pela profissão, assim como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no desempenho profissional. Entretanto, o domínio das bases teórico-científicas e técnicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganhe base para pensar sua prática e aprimore sempre mais a qualidade do seu trabalho.



Referências bibliográficas:


Piletti, Claudino. Didática Geral, Ática, 1997
Libâneo, José Carlos. Didática, Cortês, 1994

quarta-feira, 20 de março de 2013

EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES: APRENDER COM O ÍNDIO



EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES: APRENDER COM O ÍNDIO



Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é: a coragem minha. Buriti quer todo o azul, e não se aparta de sua água — carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.


João Guimarães Rosa/Grande Senão: Veredas



Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e--ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações. E já que pelo menos por isso sempre achamos que temos alguma coisa a dizer sobre a educação que nos invade a vida, por que não começar a pensar sobre ela com o que uns índios uma vez escreveram?
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações. Ora, como as promes­sas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns anos mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa:

"...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agrade­cemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que dife­rentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens."

De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões entre as mais importantes estão escritas nesta carta de índios. Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante.
Em mundos diversos a educação existe dife­rente: em pequenas sociedades tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de socie­dades e culturas sem Estado, com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou entre povos que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos, usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mais adiante com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos.
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a explicar — às vezes a ocultar, às vezes a inculcar — de geração em geração, a necessidade da exis­tência de sua ordem.
Por isso mesmo — e os índios sabiam — a edu­cação do colonizador, que contém o saber de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio, na verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma educação que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em seu mundo, dentro de sua cultura.
Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação parti­cipa do processo de produção de crenças e idéias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constróem tipos de sociedades. E esta é a sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos escusos que ocultam também na educação — nas suas agências, suas práticas e nas idéias que ela professa — interesses polí­ticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza.
Aqui e ali será preciso voltar a estas idéias, e elas podem ser como que um roteiro daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz. para fora, que a sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se tem de uns e outros: "...e deles faremos homens". Mas, na prática, a mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer: "...eles eram, portanto, totalmente inúteis".
Carlos Rodrigues Brandão
Livro: O Que é Educação

"O meu patriotismo não é exclusivo. Engloba tudo. Eu repudiaria o patriotismo que procurasse apoio na miséria ou na exploração de outras nações. O patriotismo que eu concebo não vale nada se não se conciliar sempre, sem exceções, com o maior bem e a paz de toda a humanidade.

Mahatma Gandhi

terça-feira, 19 de março de 2013

PLANO DE AULA



INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CARMELA DUTRA



PLANO DE AULA

O que é um Plano?  Você tem Planos?

É como um “mapa” com setas, indicações de onde desejamos chegar? Estranha definição...
 Vamos imaginar uma pequena viagem, uma viagem de 1 dia com nossos alunos. Discutimos, pensamos e elaboramos um plano onde registramos nossa estratégia para alcançar objetivos, ou seja, chegar ao local que desejamos. Certamente a escolha desse local deve ser algo significativo para todos, pois nosso plano que é viajar (vamos chamar de processo ensino e aprendizagem) envolveu a todos, considerando realidades e contextos, ou seja, nossos passageiros são também sujeitos da aprendizagem, participantes ativos da viagem.
Não vamos viajar para determinado local à toa, sem interesse, sem estarmos motivados por algum aspecto interno (seja nossa curiosidade, por nos sentirmos desafiados, confiantes e desejosos de descobrir algo), ou ainda, por ser necessário mesmo sair do lugar, sacudir a poeira. Muitas vezes, ela começa sem graça para alguns, mas durante o percurso, o envolvimento, a afetividade, a descoberta, a troca, a percepção de que ela faz sentido acaba conquistando o interesse. Isso dá trabalho, mas trabalho não é sinônimo de “castigo”, trabalho é sinônimo de desafio, de que preciso buscar soluções, usar minha inteligência, minha sensibilidade e me dedicar, pois viagem à deriva é um perigo!
Sabemos que essa viagem vai nos proporcionar a construção de novos conhecimentos, um processo contínuo, no qual vamos ousar, arriscar, tentar e com certeza, compartilhar, pois ninguém aprende sozinho. Ao trocarmos, nos tornamos menos competitivos; ao trabalharmos em grupo, aprendemos a respeitar as diferenças, cooperar, enxergar e distinguir direito e dever. Se durante a viagem, participo com minhas vivências, aprendo a falar e ouvir, aprendo também que preciso desenvolver a iniciativa sem sufocar o outro. E se a viagem tem problemas e todos fazem uma autoavaliação, nos tornamos críticos, questionadores, mas produtivos e positivos em nossas posturas durante a viagem.
Por isso, quando pensamos a viagem, que é o nosso planejamento, devemos nos perguntar, lembrando novamente Rubem Alves, se essa viagem vai proporcionar o voo, o fortalecer das assas, nos apropriarmos de ferramentas, experimentarmos, sentirmos a vivência do brinquedo e a grandeza de crescer enquanto ser que aprende a construir, participar, trocar e colaborar.
Sendo assim, nosso planejamento precisa levar em consideração como “trato” conteúdo, como organizo o trabalho que é “meu com a turma”, qual a minha relação com a turma, como seleciono os recursos, como entendo avaliação, qual a minha compreensão de “erro”, o que considero disciplina, como conceituo infância etc.
A estrutura do Plano e Aula permite o registro da prática, sem esquecer que deve estar em sintonia com o Plano de Curso que depois estudaremos (Viagem de um ano letivo, cujo objetivo é amplo), visto que, a turma está no Projeto, e percebi pela correção de alguns Planos, certa dificuldade na elaboração, e por isso estamos na viagem inversa... Mas de nada adianta termos a técnica se deixarmos de lado o que é essencial: o aluno e o processo ensino-aprendizagem.

VAMOS SITEMATIZAR?

Plano de aula (ou Plano de Atividade)
Consiste na operacionalização da ação didática. Contém elementos essenciais para promover o processo de ensino-aprendizagem.

Estrutura

Dados de Identificação
Escola
Professor (a)

Tema: O plano de aula pode partir de um assunto, tema que está, por exemplo, norteando a ação pedagógica daquela semana, quinzena etc.

Tempo: Duração da aula, ou ainda, das atividades propostas. Organização de uma rotina.

Áreas do conhecimento (Conteúdos): Ação didática deve promover a aprendizagem significativa para a turma, possibilitando ao educando relacionar diversas áreas do conhecimento e proporcionando a vivência e construção de conteúdos sem a fragmentação dos mesmos.
Um exemplo:
Estamos trabalhando folclore e a turma vai elaborar um prato típico de determinada região do Brasil. Esse tema vai permitir que seja trabalhado Português (leitura da receita, vivenciar a função social da escrita e leitura, manipulação das embalagens: data de validade, fabricante etc.); Matemática (sistema de medidas, tempo de preparo, as transformações da matéria - vamos imaginar que a receita pede que as claras sejam batidas em neve, situações-problema envolvendo preços dos produtos, validade etc.). Vejam quanta coisa poderíamos trabalhar. Quantas disciplinas envolvidas a partir de uma atividade.

Objetivos:
É o comportamento que o educador espera que o aluno construa, alcance no decorrer da aula. Esse comportamento precisa ser observável e é traçado em função da aprendizagem.
O comportamento precisa ser compreendido como ação, produção, postura... Muitos educadores se utilizam da frase: “Ao final da aula, o aluno será capaz de...” para ajudar na hora de elaborar os objetivos.
O objetivo deve ser operacional, específico e registrado sempre no infinitivo.


Procedimento
Introdução (ou apresentação)
Ao convidar meus alunos para a viagem, preciso envolvê-los nesta proposta.
Desenvolvimento:
É a viagem em si. Como pretendo que ela aconteça. É o momento em que o educador proporciona experiências, vivências, atividades orientando e coordenando a viagem. Favorecendo a integração e relação de conhecimentos.
Podemos utilizar estratégias que atendam melhor e de forma adequada às necessidades dos educandos, assim como suas características. Quando o professor, por exemplo, adota sempre a mesma medotologia, ele “desvaloriza a participação” dos alunos e alunas que teriam mais interesse, envolvimento e produção, pois, apresentam outras habilidades que são desprestigiadas e esquecidas. Claro, que também precisamos incentivar a descoberta, o desenvolvimento de novas habilidades e a aquisição de novas competências.

Recursos didáticos
Todas as ferramentas que serão utilizadas na “viagem”.

Avaliação
A avaliação não precisa estar no final da viagem. Ela está presente durante todo o percurso, ao observarmos nossos alunos nas suas produções do dia, nas atitudes que demonstraram em situações específicas, na participação... Mas, podemos, ao final da viagem, realizar uma atividade, caso seja necessário, sem esquecer que avaliação sempre deve estar coerente com nossos objetivos e que ela é um instrumento que nos permite repensar práticas e refazer caminhos.

Importante lembrar
Os procedimentos, ou seja, a minha ação é intencional. Logo, precisa ser organizada e promover aprendizagens que atendam vários níveis. Preciso considerar o nível de conhecimento dos alunos, o nível de compreensão (de entendimento), o nível de aplicação (o nível em que o educando desenvolve a habilidade de utilizar o que aprendeu, o que construiu). Além desses, há o nível de análise e síntese, onde o aluno é capaz de perceber a interrelação que há entre o conhecer, compreender, aplicar e por fim, relacionar os conhecimentos. Todo plano é flexível e toda aula, citando novamente Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia, não é do professor, é dele com a turma. Ou seja, existe um plano de viagem que pode ser modificado, pode ser enriquecido por esse viajante que também traz uma bagagem com experiências, histórias, expectativas (ou, às vezes, nenhuma e precisa da nossa ajuda) e olhares diferentes. Imaginem todas essas bagagens abertas; imaginem os olhares que se educam diante do outro; imaginem os sentimentos, pois também aprendemos sentindo; imaginem as trocas; imaginem a descoberta de que ninguém precisa escolher entre a formiga ou cigarra, pois podemos cantar ao carregar as folhas, embora, possam estar pesadas em alguns momentos... Não importa, todos temos limites e possibilidades, precisamos é descobrir como lidar com elas e melhorar naquilo que é necessário respeitando a individualidade, as diferenças.
Nem sempre estaremos inspirados, mas não façamos das nossas aulas um lamento, como a letra Epitáfio:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração

quinta-feira, 14 de março de 2013

Educação para além de conteúdos e competências



Educação para além de conteúdos e competências



“É possível que as árvores cresçam por si mesmas. Mas os homens, acreditem-me, não são gerados. São educados.”
Roterdan
Uma excelente forma de se refletir sobre o papel e a importância da escola na pós-modernidade seria a simulação da seguinte situação: desviados de seu destino em direção a distante galáxia, seres ALIENÍGENAS se vêem obrigados a pousar em uma ESCOLA e pedem aos que ali se encontram a explicação de que tipo de instituição é aquela.
O que um aluno responderia?
( ... )
E nós, professores, como caracterizaríamos a instituição que é nosso campo diário de batalha?
( ... )
Parece tão simples, e, talvez por isso mesmo, seja tão complexo de ser explicitado.
- Ora, numa escola se ensina, se aprende, se transmite ou se constrói conhecimentos, diríamos aos nossos vizinhos cósmicos.
- Mas que tipo de conhecimentos? – perguntariam eles.
- Conhecimentos científicos. Aqueles historicamente produzidos e acumulados ao longo dos tempos pelos homens.
- Por que é necessário ensinar esses conhecimentos?
- Para que os humanos mais novos possam aprender e compreender como a vida neste planeta é organizada... – responderíamos prontamente.
- Por que nesse espaço e não com seus familiares ou com os que já viveram muito tempo e aprenderam bastante? – insistiriam nossos interlocutores galácticos.
- Talvez porque estes não soubessem transmitir todos os conhecimentos produzidos, que são muitos e complexos.
- E por que eles precisam aprender muitos e complexos conhecimentos?
- Para que os humanos que nascem não precisem “reinventar a roda”... Para que produzam novos conhecimentos a partir daqueles já existentes... Para que supram cada vez mais as necessidades criadas a partir da satisfação de antigas necessidades... Para que evoluam ...
Enfim, a escola existe para que apreendam e compreendam como e para que se vive!!!
E a escola consegue?!– surpreender-se-iam os visitantes.
                                                           ( ... )
O título deste breve artigo poderia ser apenas COMO FORMAR SERES HUMANOS, pois, na minha opinião, quando a escola foi parida teria sido para prover com maior competência do que as famílias, e, obviamente, de maneira mais sistematizada, também essa necessidade.

Destarte, no parágrafo acima já anuncio minha perspectiva sobre o papel e a importância social que a escola deveria ter nas relações societárias.

Todavia, tal como ocorreu com o significado de certas palavras, nos distanciamos tanto deste remoto objetivo que, mesmo trabalhando no interior de uma escola fica difícil explicarmos para um alienígena, por exemplo, o motivo pelo qual estamos trabalhando com determinados conteúdos ou desenvolvendo determinadas competências.

Hoje quando chamamos alguns de nossos pares de companheiros já não empregamos a palavra com o sentido original: aquele que compartilha o pão. Ao utilizarmos o termo comunidade não temos mais em mente a comunhão igualitária dos bens produzidos naquele local. Ou ainda, quando recebemos em nossa casa alguns camaradas não estamos esperando repartir nossa câmara, nosso quarto mais íntimo.

Acredito que o mesmo ocorreu com a função da instituição chamada escola. Talvez por isso fica tão intrigante explicarmos para os Ets a existência de algo que perdeu totalmente sua função original e se organizou para ensinar fragmentos de conhecimentos tidos como científicos e como verdades absolutas para uma sociedade que muito pouco guarda de suas peculiaridades remotas.

Como apropriadamente reflete Maurice Tardif, os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho e o professor cuida da sua transmissão, pois a formação integral da personalidade dos aprendentes já não parece ser mais de sua responsabilidade.

Enquanto isso, a essência que daria conta do mundo continuar sendo formado por seres verdadeiramente humanos está sendo relegada ao enésimo plano.

Apesar de, às vezes, os projetos pedagógicos até contemplarem a ensinagem e a aprendizagem dos direitos humanos, o que menos se constata na prática cotidiana de uma escola é esse exercício.

E é justamente na reflexão destes e na luta pela sua garantia que eu concebo a existência dessa parafernália a qual hoje chamamos de escola. Ela só terá sentido se for para promover a promoção e a interiorização de todas as gerações dos direitos humanos. Não basta consagrar esses direitos através do discurso. É necessário praticar e garantir, pelo menos no âmbito escolar, que esses direitos sejam assegurados.

Se a escola tem o poder de regular e, portanto, reproduzir a sociedade como está, ou emancipar para que possamos construir o mundo que precisamos, será sempre via defesa e exercício das quatro gerações de Direitos Humanos, a saber: os cívicos e políticos, os sociais (conseguidos através do trabalho), a preservação do meio ambiente (o bem estar de quem ainda está por nascer) e os direitos aos conhecimentos relacionados à comunicação e informação.

Se, como afirma Marcuse, hoje temos a capacidade de transformar o mundo num inferno e estamos a caminho de fazê-lo. Temos também a capacidade de fazer exatamente o contrário. Por que não fazê-lo se a construção de um novo mundo pode ser determinada também pelo poder de nossas ações como educadores?
De quem acredita no poder da Educação

SANDRA BOZZA 
Rio, 22 julho de 2003