terça-feira, 30 de abril de 2013

EDUCAÇÃO PELA PEDRA



EDUCAÇÃO PELA PEDRA


“... mostrando a diferença não só entre elas mas entre os temas abordados em cada uma:as educações. Esta delimitação também é concretizada pela utilização da palavra “Outra” no primeiro verso da segunda estrofe que se opõe a palavra “Uma”, utilizada no primeiro verso da primeira estrofe, o que confere sentido de diferenciação entre as educações”...

Ainda contido na materialidade do poema, encontramos as seguintes oposições:

pedra X lição
pedra X Sertão.

.Estas oposições indiciam as diferentes formas de se observar o objeto pedra.


Uma educação.
A educação pela pedra: por lições - "didática da pedra", como processo teórico e prático da preensão da realidade. Essa "educação" consiste num processo de imitação de objetos, pelo qual é possível tratar da realidade. O método tradicional de educação utilizava uma cartilha de letramento. A “cartilha muda” (cartilha – distante da vida, do sentimento, das experiências, conhecimentos) é essa voz inefável da pedra (Que não se pode exprimir por palavras; indizível), que ensina quem se dispõe a estudá-la, ou como diz o poeta: “para quem soletrá-la.”
Uma educação

O MÉTODO TRADICIONAL DE EDUCAÇÃO NÃO PERCEBE A “PEDRA  EM SUA ESSÊNCIA–  NÃO  OBSERVA, NÃO PESQUISA, NÃO EXPERIMENTA, NÃO QUESTIONA, NÃO DESCOBRE OS SEGREDOS DA PEDRA, DA VIDA)
PODEMOS DIZER QUE A PEDRA SIGNIFICA TUDO QUE ESTÁ NO MUNDO: A CULTURA, A ARTE, A CIÊNCIA, A NATUREZA...

A outra educação.
A educação pela pedra: no sertão
É a educação do sertão
... uma educação diferenciada. Esta segunda educação, dada pela personalidade do Sertão, denominada de pré-didática, termo o qual, segundo o professor universitário Alexandre H. Delpech, é referente àquilo que não se ensina e que não se aprende. Esta lição que não é ensinada nada mais é do que a lição do viver. Do viver no sertão, e de situar-se nele.
POR QUAL MOTIVO JOÃO ESCOLHE A EDUCAÇÃO DO SERTÃO? ELE NASCEU NA CIDADE DE RECIFE, PERNAMBUCO. PASSA A INFÂNCIA EM ENGENHOS DE AÇÚCAR. ESSA ERA A REALIDADE. A VIVÊNCIA DE JOÃO. E FOI LÁ EM RECIFE QUE ELE NASCE E COMEÇA A DESCOBRIR O MUNDO, A AGIR NELE, COM ELE...


Não se preocupem em dizer o que é a pedra. A pedra pode ser muitas coisas. Ela pode ser o aluno, o professor, a escola, o saber, a vida... Talvez seja “A PEDRA” entendida como o próprio objeto de conhecimento de modo metafórico. A pedra pode ser a “essência” do ser que se perde, se descaracteriza nas lições, se ausenta, se esquece.
 O importante é sensibilizar o grupo para a questão do fazer pedagógica, do tipo de educação que queremos, se é a Educação da pedra: por lições, ou a Educação da pedra: no sertão.
Segue um link
Vídeo do Próprio João declamando a poesia com imagens do Sertão que sensibilizaria a turma:




Esse segundo também é interessante:




Uma educação pela pedra: por lições;(dividida de forma didática dentro dos moldes tradicionais, compactada e fragmentada, sem relação com a vida)
para aprender da pedra, freqüentá-la;(Frequentá-la? Aqui a pedra pode ser a escola, pois na educação pela pedra, a escola representa o saber)
captar sua voz inenfática, impessoal(inefática – o que não é possível dizer com palavras, apenas sentir, sendo assim, é subjetivo. Impessoal - que não pertence a ninguém em particular: a razão é impessoal.Que não tem personalidade. Pouco original, banal: estilo impessoal.)
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
(Lição de moral – enquadra-se, adaptar-se/ resistência fria citada pelo autor é na verdade a ausência do sentimento, de vida, de envolvimento)
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta; (Aparência da carne; a sua qualidade)
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
(de fora pra dentro- conhecimento que é despejado para quem aprende as lições, para quem se distancia de si mesmo, para quem perde a identidade, para quem se esquece em uma realidade histórica e cultural)

No Sertão
*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
(de dentro pra fora, pos vem do próprio convívio com a tantas pedras – a escola não é o único local do saber. Aqui o “saber” significa viver; a educação é pré-didática – não se utiliza de lições compactas e fragmentadas para aprender. Aliás, a educação pela pedra no Sertão ora ensina, ora aprende)
No Sertão a pedra não sabe lecionar
,(Não sabe lecionar pois não aprendeu por lições, nas instituições destinadas a ensinar. Não é uma pedra letrada. No Sertão a educação pela pedra é vivida)
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
(Assim, não se entende, ou aprende, no Sertão. Os sertanejos o vivenciam. A pedra de nascença, é aquela pedra que é apenas pedra, objeto material, que não possibilita outro entendimento e reflete a dureza da vida sertaneja que se manifesta no homem desde sua infância e que com o tempo molda sua alma.)

 Publicado em 1965, A Educação Pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, reúne os traços determinantes da poesia de João Cabral de Melo Neto. Além da excelência de sua poesia pela consciência construtiva da linguagem, João Cabral consegue ser uma singular forma de realização do que se pode compreender por linguagem poética. Apesar de ter produzido livros fundamentais até o final do século XX, A Educação pela Pedra vale como espécie de módulo quadrangular da obra como um todo.

A Educação pela pedra significa um importante momento na trajetória inventiva de João Cabral de Melo Neto. Pode-se dizer que essa obra representa o efeito de um trabalho progressivo que teve o seu início em 1942, com a publicação de Pedra do Sono, e que continuou, passando por estágios de tensão interna, verdadeiros pontos nevrálgicos para a escala da sua invenção.

A coletânea reúne 48 poemas marcados pelo didatismo do poema "A Educação pela Pedra", seu núcleo temático. A obra é dividida em 4 partes: a, A, b e B. Nas partes minúsculas os poemas são curtos e nas partes maiúsculas os poemas são longos. Os temas dos poemas também são distribuídos conforme as letras. Esta maneira de organizar os poemas pode exemplificar a preocupação do poeta com um livro cuidadosamente projetado. São poesias em que sobressaem o rigor formal e a contenção, sem prejuízo do lirismo.

No poema-título, ele nos remete ao conceito da "carnatura" da poética, sua matéria-prima ou conteúdo, no caso, "pedagógico", de intimidade com os objetos:


João Cabral de Melo Neto

 A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.


*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


Linguagem seca, precisa, concisa, desprezo pelo sentimentalismo. A arte não é intuitiva - é calculada, nua e crua.

Há em Cabral uma verdadeira "didática da pedra", como processo teórico e prático da preensão da realidade. Essa "educação" consiste num processo de imitação de objetos, pelo qual é possível tratar da realidade através do poema, isto é, através de uma forma, de uma linguagem que para sua estruturação não despreza, antes acentua, a existência do objeto, segundo João Alexandre Barbosa.

A pedra nos remete à aridez humana e geográfica do Nordeste e é símbolo constante na obra do autor, fazendo confluir a temática social (linguagem-objeto) com a reflexão sobre o fazer poético no próprio texto artístico (metalinguagem).

Aqui a pedra ensina ao homem. A pedra, um objeto inanimado, duro, frio, que à princípio não tem nenhuma qualidade, não demonstra nada, não faz nada, é passada despercebida, ganha em João Cabral essa poesia fantástica. O poeta detestava música, comparava a poesia a um cálculo matemático, relegava a emoção a segundo plano para chegar à perfeição da construção do poema, calcado na colocação das palavras precisas e fundamentais para cada espaço do papel, nada a mais, nada a menos, só a precisão, o contido, o visual.

Observe, no texto que segue, a recorrência à pedra, num outro passo da "educação" que ela exerce na feitura / leitura do poema:

Catar feijão

1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.


Outros poemas da obra

Fábula de um arquiteto

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.


2.

Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero, com confortos de matriz, outra vez feto.


O mar e o canavial

O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.


*

O que o canavial sim aprende do mar;
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


O sertanejo falando

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.


2.

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.


Num Monumento à Aspirina

"Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia. ..."




sexta-feira, 19 de abril de 2013

EDUCAÇÃO E ARTE

EDUCAÇÃO E ARTE
 
Aprendi com meu povo o verdadeiro significado da palavra educação ao ver o pai ou a mãe da criança indígena conduzindo-a passo-a-passo no aprendizado cultural.

Pescar, caçar, fazer arco e flecha, limpar peixe, cozê-lo, buscar água, subir na árvore.
Em especial, minha compreensão aumentou quando, em grupo, deitávamos sob a luz das estrelas para contemplá-las procurando imaginar o universo imenso diante de nós, que nossos pajés tinham visitado em sonhos.

Educação para nós se dava no silêncio.
Nossos pais nos ensinavam a sonhar com aquilo que desejávamos.
Compreendi, então, que educar é fazer sonhar.
Aprendi a ser índio, pois aprendi a sonhar.
Ia para outras paragens.
Passeava nelas, aprendia com elas.
Percebi que, na sociedade indígena, educar é arrancar de dentro para fora, fazer brotar os sonhos e, às vezes, rir do mistério da vida.Descobri, depois, que, na sociedade pós-moderna ocidental, educação significa a mesma coisa: tirar de dentro, jogar para fora.
Mas isso fica só na teoria.
Decepcionei-me ao ver que os professores faziam o contrário.
Punham de foram para dentro.
Os sonhos ficavam entalados dentro das crianças e jovens.
Não tinham tempo para sair.
Aprender, para o ocidental, é ficar inerte ouvindo um montão de bobagens desnecessárias.
As crianças não têm tempo para sonhar, por isso acham a escola uma grande chatice.
Não escolhi ser índio, esta é uma condição que me foi imposta pela divina mão que rege o universo, mas escolhi ser professor, ou melhor, confessor de meus sonhos.
Desejo narrá-los para inspirar outras pessoas a narrar os seus, a fim de que o aprendizado aconteça pela palavra e pelo silêncio.
É assim que “dou” aula: com esperança e com sonhos...


Daniel Munduruku é graduado em Filosofia,
tem licenciatura em História e Psicologia e é doutorando em Educação na Universidade de São Paulo.
É autor conhecido nacional e internacionalmente.
Vários de seus livros receberam prêmios no Brasil e no exterior.

Blog do professor: http://danielmunduruku.blogspot.com.br/p/daniel-munduruku.html